Saturday, January 26, 2008

HISTÓRIA DA CARICATURA EM PORTUGAL (parte 16)

Raphael Bordallo Pinheiro – 2
Por: Osvaldo Macedo de Sousa

As palavras de elogio são uma constante na referência deste génio das artes nacionais, e fastidioso será compilá-las todas aqui, mas para finalizar esta primeira apresentação do artista, transcrevo aqui parte doas Notas de Arte publicadas em O Ocidente, Vol. XXVIII, pág. 191: «Rafael Bordalo foi um cronista dinâmico, um jornalista sem reservas de paixões cegas, dos mais intemeratos e bem constituídos que tivemos, e o ilustrador, por excelência, da vida geral do país e, particularmente, da alfacinha. Folhear os jornais, as revistas, os folhetos, os almanaques, os livros e quantas publicações que o seu lápis enriqueceu de comentários, é tomar conhecimento rápido e claro de uma sociedade inteira, é visionar, sorrindo sempre, um período de realidades que a sua argúcia não deixou escapar sem anotação, é pôr-se a par de uma parcela da nossa história através do desenho chistoso e decorativo, exaltado e pessoal reflexo fiel do seu temperamento de educador bem humorado.»
«Pela imagem e pela imaginação de observador que lutava por um ideal de correcção dos costumes nacionais, Rafael Bordalo não só divertiu o público como o instruiu. Calhou ter tido Ramalho Ortigão como colaborador dessa obra num jornal; em iguais circunstâncias e com o mesmo proveito, podia ter ilustrado as «Farpas» e quantos outros panfletos daquela época, que os seus colegas literatos publicaram, e por certo mais popularizados seriam se o espírito do seu lápis os houvesse completado. É que de todos esses inconformados jornalistas, Rafael Bordalo foi o que melhor auscultou a psicologia do novo português e, por conseguinte, melhor o sabia comover pelo meio mais directo, que é o da imagem. A linguagem das artes possui o privilégio de falar a todos os entendimentos. Tanto esclarece os cultos como convence os simples. A de Rafael Bordalo, para mais, era espirituosa, cheia de intenções e repleta de pormenores pitorescos. O púbico compreendia e admirava o artista. Nestas circunstâncias, ele foi seu educador, mas nunca abusou desse sortilégio. /…/»
Como já lemos, o seu percurso juvenil foi conturbado, na procura de diversos caminhos profissionais, todos eles ligados ás artes. O pai queria-o amanuense, queria-o na carreira de Funcionário Público para que pudesse dar á família tranquilidade e sustento assegurado, só que é difícil contradizer o sangue que faz correr os instintos da juventude. A paixão pelo jogo dramaturgico entre a comédia e a tragédia, que é o dia a dia da sociedade, conjugado com um momento específico temporal, ditaram o caminho, uma vida, uma carreira.
Estávamos em 1870, uma peça pedia um cartaz comemorativo, logo de seguida, as traquinices do Duque de Saldanha, com seu novo golpe de estado (a Ajudada), e consequente governo ditatorial saldanhista espicaçaram o espírito crítico-jornalístico de Raphael, e lançar-se-á como editor satírico.
Raphael Bordalo Pinheiro nesse ano de 70 editará várias publicações. Ainda em 69 fez o cabeçalho do jornal O Japonêz, e rezam as histórias que, o álbum “O Calcanhar de Aquiles” já estava em execução desde o verão de 69, mas só seria publicado em Junho de 70. Aqui se reuniam seis estampas caricaturando, Teixeira de Vasconcelos, Eduardo Augusto Vidal, Alexandre Herculano, Pinheiro Chagas, o trio Júlio César Machado, Manuel Roussado e ramalho Ortigão e Bulhão Patto. A curiosidade deste álbum é que são os próprios caricaturados que fazem um pequeno texto, cada um autorizando a sua publicação, ou seja, mesmo que não gostassem tiveram que aceitar, como homens de cultura e democratas, o humor, a malícia dos desenhos. Esta publicação estava prevista ser de dois fascículos mas, ou devido á má reacção dos caricaturados (que houve, apesar de por fora não o terem manifestado publicamente), pela fraca aceitação comercial do público, ou pela falta de dinheiro, nunca chegou a sair o segundo volume, que já tinha as chapas feitas.
A 21 de Fevereiro saio a folha volante “O Dente da Baronesa”, e em Maio em reacção ao golpe de Saldanha publica a folha volante “Mercado dos Melões” sátira ao Saldanha. Esta reacção será seguida pela publicação (primeira a 5 de Julho) de uma série de folhas que terão como titulo genérico “A Berlinda - Reproduções dum álbum Humorístico ao correr do lápis”, sendo as duas primeiras folhas dedicadas aos “Fossadores do Patriotismo” (os partidários de Saldanha). A 3ª folha foi um Mapa da Europa, que pelo seu sucesso teve três edições. Posteriormente este ‘álbum será completado em 1871 (uma em Janeiro, duas em Fevereiro e uma em Julho de 71)
Entretanto a 29 de Outubro o teatro volta a ser o seu centro de atenções, lançando um ‘hebdomadário de caricaturas’ O Binóculo, especializado em espectáculos e literatura, o primeiro a ser vendido dentro dos teatros, e que durou apenas quatro números até Dezembro de 70. O seu programa era simples: «O Binóculo apresenta, não comenta. Analisa, não sintetiza. Mostra os tipos. E de tipos é o nosso século. Arquétipos ou protótipos, pouco importa. O tipo tem hoje a maior importância. O nosso século só admira tipos.»
«É o ‘binóculo’ o instrumento de que o leitor, espectador ou amador se serve para ver mais de perto cenas que facilmente lhe passariam desapercebidas a olho nu. Mostra o bom e o mau: e está nisso a justificação do seu título. Quem tiver olhos que veja; quem não quiser ver, que durma»
Desse ano de 70 são também outros desenhos independentes sob o título de “Ordem do Dia: Cenas Políticas de 1870” onde a política continua a dominar com a sátira aos saldanhas.
Ao analisarmos estas primeiras obras, lembramo-nos da apreciação de Teixeira de Carvalho, quando faz o estudo comparativo com Nogueira da Silva, e onde diz que Raphael ainda não sabe usar a gravura devidamente. Na realidade estes primeiros trabalhos ainda estão muito duros tecnicamente, e se já desponta o mestre, não está muito longe do melhor que entretanto se faz.
Quanto ao humor, era algo que existia intrinseco em Raphael, e como escreverá Sousa Pinto : «O riso foi, em verdade, a grande seiva alimentadora do espirito sobremodo alegre de Bordalo. Era um homem que adorava o riso, gostava de rir como poucos, e conseguia fazer rir como ninguém. O seu sentido mais apurado não eram nem o da sátira, nem o da ironia, nem mesmo o do que modernamente se convencionou chamar ‘humor’. Era o do cómico. /…/ Raphael foi um cómico incomparável, mais propriamente um descobridor e orquestrador de motivos risíveis, do que um denunciador de ridículos.»
Gosto desta citação, porque nos dá um bom retrato do humor que nasceu com Raphael, em contraponto com a sátira anterior, mas não concordo com os conceitos das diferentes formas risíveis, já que nunca considerarei Raphael como um cómico, já que este termo está mais ligado ao burlesco, enquanto que a caricatura de Raphael, está mais próxima da Ironia, precisamente como orquestradora de elementos críticos, risíveis, e democráticos. Denúncia, sem atacar, critica, sem achincalhar. Raphael neste primeiro período, onde as questões culturais, como o teatro, a ópera serão mais fortes que a política, é um humorista onde a sátira foi substituída pela ironia, e que com o tempo irá amenizar essa ironia para ser cada vez apenas humorista.
Naturalmente não são pacificas estas definições entre a ironia, o humor, o cómico, e muitos filósofos se têm guerreado sobre essas questões, como Carlyle, Cazamiam, Fischer, Freud, Hobles, Pawloski, Bergson, Hoffding, Jankelevitch… mas seja qual for o conceito, a ideia base deste novo humor raphaelista é a de Eça de Queiroz, quando este diz (em “Uma Campanha Alegre”): «O riso é uma filosofia. Muitas vezes o riso é uma salvação. E em política constitucional, pelo menos é uma opinião.»
O próprio Raphael, ao longo da sua vida dará várias interpretações ao seu humor, ou á sua utilização, mas uma das mais celebres é aquela em que ele defina a caricatura como «o mesmo que pregar um prego no estuque novo de uma casa, com o protesto do senhorio. Caricaturar é estragar o estuque de cada um com protesto do senhorio». Como se pode ver aqui, e deseja arranhar, eventualmente ir mais fundo, mas nunca ‘quebrar’ os ossos, ou a estrutura da caricaturado.
Nesse ano de 70 ainda sairam “A Bisnaga” e “O Vulcano”, jornais sem interesse histórico. Terminada a aventura do Binóculo, logo em Janeiro de 71, Raphael regressa á Berlinda.

Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?