Saturday, May 30, 2009

Historia da Caricatura de Imprensa em Portugal - 1898 (Leal da Câmara)

Por: Osvaldo Macedo de Sousa

Entretanto a saída de Leal da Câmara (em Maio de 98) de ''A Marselhesa", não significou a desistência da luta, antes um balanço para uma nova batalha, tendo agora o apoio literário de Gomes Leal, e como correspondente gráfico do Porto, o velho Sebastião Sanhudo, que desta forma inocente, se mantinha na vanguarda da sátira.
Nascia assim o novo periódico de guerrilha denominado "A Corja" (29/6 a 16/10/98). Naturalmente a corja não eram os jornalistas irreverentes, mas de novo o Rei, e a cáfila de políticos governantes. A primeira página, bem esclarecedora era a caricatura de D. Carlos composta pelas diversas figuras da política de então, ou seja o Burnay a fazer de bigode, o Alpoim a fazer de nariz, e Dias Ferreira, José Luciano, Hintze e João Franco a fazerem o rosto.
Curiosamente este número não foi proibido, apenas o nº 4 onde satirizava o Rei na questão da Demissão de Mousinho. No nº 5 Leal da Câmara explica aos leitores que «A Corja de Domingo passado não apareceu a público por causa do meu particular amigo Juiz Veiga, que achou o número tão bom que desejou o jornal só para ele... »
De repente Leal da Câmara e seus parceiros não têm que se preocupar apenas com os problemas económicos de sobrevivência, ou os directamente relacionados com a censura e polícia. As gráficas que ao trabalharem com ele, passam a ser importunadas pela polícia que invade as suas instalações para apreender a edição, começam a ter medo de também elas serem punidas, e passam a rejeitar a impressão destes jornais. Esta situação leva ao desaparecimento do jornal durante duas semanas, ressurgindo com novo visual. A solução foi procurar outras gráficas que não estavam ligadas a este meio jornalístico, e para isso teve que se adaptar o jornal às novas condições, abandonando-se a técnica litográfica, para a zincogravura (técnica ainda raramente usada nos jornais humorísticos)...
No nº 17 Leal da Câmara desafia de novo o poder, ao questionar as questões das querelas judiciais (já tinha seis), apresentando uma declaração onde afirmava: «Eu Leal da Câmara humilde caricaturista do clero, nobreza e povo... venho declarar que não faço e nunca farei a caricatura de Sua Magestade El-Rei de Portugal o Sr. D. Carlos de Bragança Miguel Rafael Manuel Gonzaga, etc., pois os restantes nomes não me acodem à memória... da real pessoa, dono deste povo português... jurando pela minha salvação boa sorte e cousas correlativas... que respeito e venero o rei deste Jardim à beira mar plantado....» Naturalmente este número foi apreendido, o que Leal da Câmara já previa, preparando ao mesmo tempo um Suplemento do nº 17.
Enquanto o jornal ia para a Censura, os ardinas procuravam distribuir gratuitamente o suplemento onde vinha um ardina a ser perseguido por um "fuínha" (polícia), e em cuja folha se podia ler o seguinte comunicado "À hora a que escrevemos este Suplemento a polícia está apreendendo o nº 17 da "Corja". A polícia mandada pelo agente Fagulha entra nas lojas e apreende todos os exemplares. Os nossos vende­dores são presos. O público que faça o comentário a este facto passado numa cidade onde se acaba de fazer um congresso a favor da Liberdade de Imprensa". E assim termina a aventura da "Corja". Quanto ao caricaturista, por bem, desapareceu da circulação, já que invocando a Lei de 13 de Fevereiro (contra os anarquistas), podiam prender, fazer julgamento sumário, e deportá-lo. Amigos conhecedores do que a polícia havia preparado (estava já decidida a deportação para Timor), escondem-no no Cartaxo, na Casa do escritor Marcelino Mesquita. No dia seguinte chega esta nota a Marcelino: «Não há nada a fazer. Mete o teu hóspede no comboio e que role para Madrid sem olhar para trás. Dá-lhe 10.000 rs para seu governo e esta carta para o Chagas. Atenção: como é rapazola, com pêlo na venta, que não lhe dê o Diabo para fazer das suas. No Entroncamento e na fronteira que trate de ser discreto. Tem andado na berra, parreirinha vai, Parreirinha vem, se um bufo o vê está catrafilado, esperemos que tais passarões não vão para tão longe do cevadoiro». Desta forma surge o primeiro condenado, e o primeiro exilado português (e único) por questões de irreverência satírica.
Até agora tinha havido cortes nas páginas, suspensão de os "Pontos nos ti" e o “Berro", por questões políticas, mas nunca a guerra entre a opressão e a sátira tinha assumido tal virulência. Era o regresso às origens panfletárias de "O Patriota", mas de uma forma mais madura e inteligente. e com muito maior poder estético, por parte do humor, e do caceteirismo por parte do regime. Vivia-se em Ditadura, sem a declarar oficialmente.
Leal da Câmara partia para Madrid, onde permaneceu um ano, conquistando um lugar na imprensa, influenciando artistas como Sancha e outros renovadores do humor espanhol (faria uma exposição com um desconhecido que assinava Picasso), e seguiu depois para Paris, conquistando de imediato a capital da cultura, e impondo-se como um dos grandes humoristas europeus deste inicio de século. manteve-se aqui durante 11 anos, publicando nos principais jornais, principalmente no "Rire", L’Assiétte au Beurre" ...
Leal da Câmara parte, Raphael Bordallo Pinheiro dá fim à aventura de "O António Maria". Se até 1892 o jornal teve uma regularidade editorial, após esse ano nem sempre cumpria o calendário de publicação, chegando a haver meses em que não saía qualquer número. Além disso, Raphael cada vez mais entregue à sua criação de ceramista, e de decorador de exposições internacionais, dava cada vez menos atenção ao jornal, ficando a cargo de Manuel Gustavo toda a responsabilidade editorial, e de encher as páginas que o pai não desenhava. Chegou a haver números totalmente de Manuel Gustavo. Em 97 o jornal conheceu novo cabeçalho assinado por Manuel Gustavo, e a partir de 7 de Julho de 98 simplesmente desaparece o jornal sem qualquer aviso, ou declaração.

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