Thursday, December 06, 2012
Melão ao mar - Rosário Breve por Daniel Abrunheiro
Tirando os imbecis, que nem a si
mesmos entendem, julgo que toda a gente pode compreender toda a gente. A ler
vamos.
Rodolfo Hilo de Astona, muito
velho e quase cego, revisita, no pino do Verão, a outra cegueira: o mar. No
regresso a casa, ouve o vento no sangue, o trabalho do sal na areia do coração.
Pensa: “O ruído é o silêncio que não
sabemos ler”. O velho mete-se em casa e cala-se para dentro. Ouve o vento
repetir nos pinheiros a gravação das ondas da praia.
Maria de Jesus Taborda, vendedora
de melões, dormita no abafo da sombra da barraca de canas à beira da estrada
nacional. Um chinelo de borracha pinga-lhe do dedo grande. Duas moscas
disputam-lhe a orelha, despertando-a. A mulher mastiga em seco, abre um olho e
descobre-se viva num sopé de ouro branco: os melões por vender.
Conheci estas duas pessoas numa
paragem de autocarro. A vendedora de melões ajudou o velho a subir para a
viatura. Deitou-lhe a rude mão ao fraco sovaco e içou-o com inesperada delicadeza,
como se erguesse do prato uma codorniz grelhada. Maria escolheu para Rodolfo um
lugar à janela, sentando-se depois ao lado dele. Sentei-me atrás deles para ter
que vos contar.
Ela disse: “Os malandros dos incendiários, era amarrá-los a um pinheiro e
deixá-los arder.” Ele respondeu: “Moro
ao pé de pinheiros. À noite, parece o mar.” Ela perguntou: “Um pinhal ao pé do mar?” Ele
esclareceu: “O pinhal é o mar.” Ela: “Antes fosse e que os incendiários não
soubessem nadar!” E ele: “Vejo que
compreende.” Maria, feliz, disse: “Quando
passar pela minha venda, dou-lhe uma peça de ouro branco, meu senhor.”
Rodolfo aceita: “Adoro melões, minha
senhora”.
Não é difícil perceber os outros.
Difícil é termos alguma coisa para lhes dar. Nem que seja um melão. Nem que seja
o mar.